Você está em Artigos

A Abordagem Histórico-Crítica na Formação Docente (página 2)

Saviani  (2008) sugere o ano de 1979 como sendo o marco do surgimento da abordagem histórico-crítica. O então professor e coordenador do curso de doutorado em educação da PUC-SP começou com seus estudantes a discutir uma nova visão acerca da educação brasileira e esse olhar espalhou-se pelo país a fora tomando corpo e transformando pensamentos. Um grande veículo de comunicação possibilitou maior veiculação das propostas discutidas e publicadas pelo professor Saviani e seus colaboradores. A Revista da Associação Nacional de Educação (ANDE)  foi o espaço que o estudioso publicou suas primeiras missivas acerca da pedagogia histórico-crítica.

A cada ano que Saviani vem reorganizando teoricamente seus escritos sobre a educação e novos estudos acerca da temática abordada por ele vem sendo pesquisada e levada a cabo por muitos pesquisadores e estudantes de mestrado e doutorado. Costa (2007) realiza uma avaliação histórica sobre a atuação de Saviani na pós-graduação em Educação no Brasil, no recorte histórico de 1970 a 1996. Ela expõe no resumo de sua obra que

A análise dessas articulações presentes na vida de Dermeval Saviani, a universidade, a pós-graduação em educação, sua produção teórico-crítica e a organização de sociedades e associações de ordenamento político resultam num cenário único revelador de um educador crítico, original e presente na educação brasileira, condições possíveis de serem percebidas através das lutas políticas que foram "travadas" durante sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional. O balanço crítico e os registros de atuação e produção de Dermeval Saviani comprovam sua inserção e engajamento, seu horizonte teórico esclarecido e problematizador, seu papel de intelectual sensível e produtivo, com atuação orgânica e emancipatória na educação brasileira recente [...] (COSTA, 2007, p. xii).

Ou seja, há um constante aperfeiçoamento acerca de seus estudos, pois os mesmos não estão engessados, estáticos, ao contrário, são alvos de críticas, análises e reconstruções; porque somos seres inacabados, incompletos e dotados de confrontos, entretanto não perdemos nossa essência (FREIRE, 1996).

Então o que vem a ser essa nova visão sobre educação? Em que base teórica o estudioso se firma? Saviani (2008, p. 88) usa a expressão pedagogia histórico-crítica no empenho de "[...] compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nessa visão da pedagogia histórico-crítica é o materialismo histórico [...]". O estudioso busca superar as teorias não-críticas e as crítico-reprodutivistas, pois ambas não possuem o entendimento histórico sobre a educação, tampouco materialista. Para essas concepções a educação é isolada dos fenômenos sociais e também dos fenômenos históricos. Já a teoria crítica, que tem a pedagogia histórico-crítica como alicerce didático-metodológico sobre a educação, busca

[...] compreender a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por conseqüência, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação [...] (ibidem, p. 93).

Para tanto, o entendimento sobre a educação escolar é compreendido como ela se manifesta no momento atual, contudo entendida como resultado de um grande processo de transformação histórica e social. Nesse sentido o educador assume outro papel.  Nessa visão crítica de educação, ele se diferencia daquele profissional das outras duas teorias, pois "[...] o professor, enquanto alguém que, de certo modo, apreendeu as relações sociais de forma sintética, é posto na condição de viabilizar essa apreensão por parte dos alunos, realizando a mediação entre o aluno e o conhecimento que se desenvolveu socialmente" (ibidem, p. 144).    

Qual será a metodologia utilizada pelo docente para desenvolver suas atividades pedagógicas pautadas na Pedagogia Histórico-crítica? "O ponto de partida do novo método não será a escola, nem a sala de aula, mas a realidade social mais ampla [...]" (GASPARIN, 2007, p. 03). Isso se dar porque "[...] os conteúdos reúnem dimensões conceituais, científicas, históricas, econômicas, ideológicas, políticas, culturais, educacionais que devem ser explicitadas e apreendidas no processo ensino-aprendizagem" (ibidem, p. 02). Pois esses mesmos conteúdos são obras históricas de como os seres humanos governam sua vida nas relações sociais de trabalho em cada modo de produção.

2 Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica
 
A teoria construída por Saviani parte da prática social inicial do conteúdo, ou seja, toma como ponto de partida que os estudantes e o educador já possuem conhecimento, mesmo que precário; depois realiza a problematização, onde se explicita os principais problemas da prática social; em seguida realiza a instrumentalização, que são as ações didático-pedagógicas para a aprendizagem; progredindo constrói a catarse, que é a expressão elaborada da nova forma de entender a prática social; e por fim concretiza esse percurso na prática social final do conteúdo que é uma nova proposta de ação a partir do conteúdo aprendido.  Vejamos, sem nos estendermos, cada um dos cinco passos propostos pela Pedagogia Histórico-crítica e sistematizados por Gasparin.

O primeiro passo dessa caminhada pedagógica - prática social inicial do conteúdo - é o momento em que o educador apresenta aos educandos o tema a ser estudado, contudo sem conceituá-lo. Busca-se neste momento desafiar o educando, estimulá-lo, sacudi-lo, sensibilizá-lo acerca do objeto de conhecimento. Para tal feito faz-se necessário conhecer as aspirações que os educandos possuem acerca da temática a ser trabalhada. Deve-se construir uma relação entre os conceitos empíricos dos aprendizes com os conteúdos escolares, por isso

Conhecer a realidade dos educandos implica em fazer um mapeamento, um levantamento das relações do conhecimento dos alunos sobre o tema de estudo. A mobilização é o momento de solicitar a visão/ concepção que os alunos têm a respeito do objeto (senso comum, "sincrese") [VASCONCELOS, 1993, p. 48 apud GASPARIN, 2007, p. 17].

Desse modo, o educador que possui uma visão clara e sintética da realidade busca entender e posicionar a visão sincrética que os educandos possuem acerca da temática para assim alavancar o percurso trilhado no entendimento que compreende o conhecimento como uma produção humana, a partir dos modos de produção social.

Assim, podemos afirmar que

A Prática Social Inicial é sempre uma contextualização do conteúdo. É um momento de conscientização do que ocorre na sociedade em relação àquele tópico a ser trabalhado, evidenciando que qualquer assunto a ser desenvolvido em sala de aula já está presente na prática social, como parte constitutiva dela (GASPARIN, 2007, p. 24).


Ela se manifesta constantemente, pois não se finda à medida que os demais passos da aprendizagem vão ocorrendo. Ela é o "[...] pano de fundo sobre o qual e em função do qual se trabalha um conteúdo [...]" (ibidem, p.32). Lembrando que não devemos nos fixar somente nos interesses imediatos dos educandos para não cairmos no campo da superficialidade, do fazer pelo fazer, do deixar que os acontecimentos ocorram pela livre expressão dos sujeitos aprendentes. Temos que ir além dos desejos dos estudantes e por isso.

Então, realizar este primeiro passo é ter em mente que os conteúdos são produzidos e organizados pelos Homens e expressos nas instituições sociais, assim os estudantes não devem aprender apenas aquilo que aspiram, entretanto devem tomar posse do que é socialmente imprescindível para os cidadãos de hoje.

Anterior   Próxima

Voltar para a primeira página deste artigo

Como referenciar: "A Abordagem Histórico-Crítica na Formação Docente" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 19/04/2024 às 16:45. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/abordagemhistoricocritica/?pagina=1