Piaget e a Matemática (página 2)
Alguns estudiosos comprovam em pesquisas o porquê de muitas crianças fracassarem em matemática. Segundo Freitag (1984), a maioria das crianças de seis a nove anos ainda não possui o pensamento operatório concreto estabilizado. Somente 11,2% das crianças estudadas demonstraram ter construído as operações lógicas características desse nível, enquanto que as restantes ou apresentam características do pensamento pré-operatório (8%), ou estão no período de construção dessas estruturas (78,8%).
Observa-se que neste processo de construção das estruturas operatórias existem diferenciações, pois algumas crianças avançam mais e outras menos. Segundo a teoria psicogenética de Piaget, isso deve-se ao fato de estarem mais ou menos expostas a uma ação reflexiva sobre o meio em que interagem, garantindo o processo de equilibração que assegure o desenvolvimento.
A relação com adultos nos primeiros anos de vida da criança é de fundamental importância, a fim de que a ação infantil se desenvolva através do provocar e do desafiar. É importante solicitar atividades à criança, encorajando-a a fazê-la, permitindo que manipule objetos e sustente suas reflexões. Os adultos precisam intervir na atividade da criança, respondendo às suas curiosidades, questionando-as e problematizando-as. É preciso demonstrar confiança e afeto na capacidade de aprendizado da criança.
Freitag (1984) afirma não haver relação entre o nível do desenvolvimento cognitivo e o rendimento escolar das crianças em idade escolar em matemática:
"Mesmo alunos que se encontram em estágio "certo" segundo a expectativa teórica de Piaget, ou seja, na entrada do estágio formal (ou nele em estabilização ou estabilizado) apresentam um índice muito elevado de notas baixas e mesmo reprovações" (Freitag,1984, p. 199).
O conhecimento lógico-matemático segundo Piaget (1978), é uma construção que resulta da ação mental da criança sobre o mundo, construído a partir de relações que a criança elabora na sua atividade de pensar o mundo, e também das ações sobre os objetos. Portanto, ela não pode ser ensinada por repetição ou verbalização, a mente não é uma tábula rasa. Segundo Morgado (1986), a escola tradicional, baseada na transmissão oral dos conhecimentos, foi criticada por Piaget por considerar a criança como um ser passivo e vazio, onde se poderiam imprimir os conhecimentos que o docente quisesse.
Piaget ainda afirma que o ensino deveria formar o raciocínio, conduzindo à compreensão e não è memorização, desenvolvendo um espírito criativo e não repetitivo. O professor deveria criar situações que levem o discente a encontrar a solução correta, de acordo com seu nível de desenvolvimento psicogenético, através de trabalhos práticos individuais ou em grupo, de diálogo entre colegas ou com o professor.
A matemática é geralmente tratada como uma disciplina que apenas "transmite" uma série de regras arbitrárias e ensina uma linguagem de signos, sem garantir, o desenvolvimento de estruturas cognitivas que sustentem a possibilidade do real entendimento daquilo que se pretende ensinar. Esta disciplina não se relaciona com a capacidade do sujeito agir, criando relações para solucionar os problemas da vida (Carraher, 1982). O ensino é quase que todo centrado em memorização de regras e na aprendizagem de "truques" através dos quais não se obtém a compreensão dos porquês, mas tem-se de utilizá-los porque "funcionam". A avaliação escolar é superficial e mecânica.
O ensino da matemática ocupa espaço na formação escolar. Cerca de 20% do tempo de permanência do aluno na escola é exclusivamente dedicado à aprendizagem da matemática, e seu desempenho tem importância fundamental na definição do seu sucesso ou insucesso escolar, significando, para grande maioria, reprovação e até abandono escolar. Infelizmente vivemos numa sociedade desigual, a ciência está muito tempo à nossa frente. Houve um salto tecnológico absurdo, aumentando assim a produtividade, mas que não acarretou melhoria nas condições de vida da população, pelo contrário, só fez com que os alunos tivessem que desistir dos bancos escolares e ir em busca de trabalho para ajudar no sustento de seus familiares, deixando de lado sua escolarização, muitas vezes prejudicada pelo mau desempenho na disciplina de matemática.
A matemática ensinada nas escolas tornou se mecânica e repetitiva, gerando assim uma aversão à mesma. Continuamos ensinando conteúdos que jamais serão utilizados, a não ser em sala de aula. Traduzindo nosso ensinamento a um mero treinamento de repetição e memorização, teremos como resultado a inquietação e a rebeldia frente aos cálculos matemáticos, e sua consequência pode será o fracasso escolar, seguido da reprovação e até mesmo do abandono dos alunos da escola.
Paulo Freire (1998), fala da importância em saber ensinar:
"Não temo dizer que inexiste validade no ensino em que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado. (...) nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado (...)" Percebe-se, assim, que faz parte da tarefa do docente não apenas ensinar conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. (Freire, 1998, 26-29)
Além de não contribuir para o aprendizado das crianças, a matemática tem colaborado para o insucesso delas na escola. Como consequência disso, a escola produz o fracasso expresso na repetência e na evasão. Assim, uma das funções que a matemática tem assumido através da escola é a de "separar" os indivíduos, selecionando com provas e exames os mais "capazes", cumprindo o papel ideológico, seletista e discriminatório de marginalização de muitos, que aprendem que por não gostarem de matemática ou por não levarem jeito pra matemática, acabam assumindo que são "meio burros".
A matemática tem urgência em ser ensinada como instrumento para interpretação das coisas que rodeiam nossas vidas e o mundo, formando assim pessoas conscientes para a cidadania e a criatividade e não somente como memorização, alienação e exclusão.
É necessário e possível modificar esse enfoque atual do ensino de matemática, garantindo um currículo que favoreça a construção do pensamento lógico-matemático das crianças através de sua ação/reflexão, considerando suas diferenças a partir dos estágios em que estão inseridas, cada qual com suas particularidades, mas todas em busca de algo em comum: aprender.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARRAHER, Terezinha Nunes; CARRAHER, David William; SHLIEMANN, Ana Lúcia Dias. Na vida dez, na escola zero: os contextos culturais da aprendizagem matemática. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n42, p. 79-86, ago. 1982.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1998.
FREITAG, Bárbara. Sociedade e consciência: um estudo piagetiano na favela e na escola. São Paulo: Cortez, 1984.
LA TAILLE, Y. Prefácio. In, PIAGET, J. A construção do real na criança. 3.ed. São Paulo: Editora Ática, 2003.
MORGADO, L.M.A. Aprendizagem operatória: a conservação das quantidades numéricas. Dissertação de Doutoramento não publicada, apresentada à FPCE, Universidade de Coimbra, 1986.
PIAGET, Jean. Ou va l?éducation? Paris: Denoel/Gonthier, 1972 (1ª ed. 1948)
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____________. Seis estudos de Psicologia. Lisboa: Publicações Dom Quixote. 1990.
RANGEL, Ana Cristina Souza. Educação matemática e a construção do número pela criança: uma experiência em diferentes contextos sócio-econômicos. Ana Cristina Souza Rangel.- Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
Revista Nova Escola. Grandes Pensadores. p.29.São Paulo. Edição Especial, n.19, julho 2008
SOUSA, Pedro Miguel Lopes de. O ensino da matemática: contributos pedagógicos de Piaget e Vygotsky. Artigo científico. Disponível em:http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0258. Acesso em 01/12/2008.
TERRA, Márcia Regina. O desenvolvimento humano na teoria de Piaget. Disponível em :http://65.55.40.167/att/GetAttachment.aspx?file=fc1a9ebe-5c34-4416-ae25-d9...Acesso em 13/11/2008.
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