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Professor ou Coordenador? O Papel Diferencial na Educação Bilíngue nas Aulas de Língua Estrangeira

Autor: Ricardo Santos David
Data: 23/11/2015

    A busca pelo aprendizado de uma língua estrangeira, geralmente o inglês, por crianças a partir de 3 anos (ou até mesmo antes dessa idade) é um movimento recente. Sustentada pelo argumento do "quanto mais cedo, melhor", esta prática tem se tornado cada vez mais frequente na sociedade brasileira, o que gerou o aumento pela procura por cursos infantis de língua inglesa em escolas de línguas, escolas bilíngues ou em escolas internacionais. Esta mesma procura também sustentou a expansão e a disseminação de diversas escolas de línguas, assim como o surgimento de novos cursos que atendessem a esta demanda e a este público em específico.

        O argumento do "quanto mais cedo, melhor" está na base do dizer sobre o ensino de língua inglesa para as crianças, indicando-nos um discurso1 a ser analisado. Este argumento circula com valor de verdade absoluta, e de nosso ponto de vista, sustenta esta prática de ensino sem que seja necessária a explicitação daquilo que o sustenta - um discurso. Procuramos justamente compreender que discurso(s) é(são) este(s) que sustenta(m) a evidência deste argumento: quanto mais cedo, melhor. Fomos nos perguntando sobre as condições de produção que permitem que, como afirma Garcia (2011, p. 7):
(...) o "mais cedo" do aprendizado linguístico coincid[a] com o "mais cedo" da aceitação das práticas do mercado na educação e também da euforização da produtividade, excluindo, até da mais precoce infância, o acesso ao ócio ou a não obrigatoriedade da produção.
      A autora afirma ainda que, por se dar quase que exclusivamente na rede particular, o ensino infantil de língua inglesa estaria aliado aos sentidos de consumo, transformando alunos em clientes e o aprendizado em mercadoria. Além disso, conforme Garcia (ibidem), as crianças seriam vistas pelas escolas que oferecem tais cursos e pelos pais que as matriculam nestes, como futuros trabalhadores que devem se preparar para o mercado de trabalho, qualificando-se para nele atuar.

      Acreditamos que esta pesquisa tenha relevância, uma vez que, diante deste quadro de expansão dos cursos infantis de língua inglesa, uma análise discursiva de suas injunções pode auxiliar educadores da área a repensarem suas práticas, seus métodos e seus objetivos para este ensino. Pode também ser uma consideração relevante para que políticas públicas sejam criadas para regularizar esta categoria de ensino, uma vez que, como afirma Garcia (ibidem), o ensino infantil de língua inglesa não tem nenhum tipo de legislação que normatize suas práticas, além de configurar-se como fator de descriminação e exclusão daqueles que não têm acesso a este consumo, já que o Estado não oferece este ensino nas escolas públicas, ou seja, limita seu acesso a grupos mais elitizados, e permite, ao mesmo tempo, que as escolas particulares o ofereçam como forma de diferenciação.

O ensino de línguas no Brasil

          O primeiro contato: as missões jesuíticas na colônia A política portuguesa de colonização e administração do espaço territorial do Brasil incluía uma política linguística que, diante de mais de 240 línguas, classificadas hoje em 102 grupos e 3 ramos linguísticos (o tupi, o macro-gê e o aruaque), de modo muito rápido, tiveram estabilizado um imaginário de que eram estranhas, deficitárias, desagradáveis e melodiosas. Gândavo, em seu famoso "História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil" afirma que a língua indígena projetava os déficits sociais, religiosos e autoritários por não conterem as letras "F", "L" e "R", o que implicava que não existiria para os índios nem fé, nem lei, nem rei. Foi justamente com a justificativa de trazer tais noções para os índios, incluindo-os numa estrutura jurídico-administrativa, numa autoridade governamental e numa ordem religiosa, que os portugueses iniciaram seu processo colonizador no Brasil, pondo em contato povos com línguas e histórias diferentes.

         De acordo com Mariani (2004, p. 43), ?o convívio entre uma ou mais línguas traz uma disputa entre as políticas de sentidos das línguas, ou seja, diferentes produções de sentidos e de práticas sócio-históricas que se encontram indissociavelmente ligadas em cada língua específica?, o que propicia o convívio de diferentes histórias com diferentes interesses entre si. A língua portuguesa que chega ao Brasil tem nela inscrita a materialidade de um projeto colonizador do Império Português, que entra em tensão com outras materialidades da vida indígena pré-colonização que as diversas línguas dos povos que aqui já existiam projetavam. O Brasil era um vasto território onde diversas línguas coexistiam. Portugal, no entanto, tinha o imaginário de que seu Império estava unido pela língua que compartilhava o português, o qual era considerado a unidade formadora de Portugal enquanto nação. Portanto, para que os índios se tornassem colonizados, cristãos e súditos de El Rei, era necessário que falassem a mesma língua que seus colonizadores, iniciando-se, assim, não apenas a catequese, como também a imposição da língua portuguesa aos índios. Segundo Mariani (ibidem), as línguas reforçam uma imagem linguístico-cultural pré- construída, sendo que a imposição de uma língua traz consigo a memória do colonizador 20 sobre sua própria história e língua, silenciando, dessa maneira, a do colonizado. Assim sendo, o imaginário seria o de que uma única língua poderia diluir a diversidade e inscrever os índios na estrutura social portuguesa.

As línguas estrangeiras com a vinda da família real e a independência do Brasil

        Segundo Oliveira (1991), esse panorama educacional só se alteraria com a vinda da família real para o Brasil, em 1808. Além de criar cursos superiores não teológicos para qualificar a mão de obra do país, e de fundar instituições culturais, como a Imprensa Régia, o Príncipe Regente, D. João VI, assinaria o Decreto de 22 de junho de 1809, o qual criava uma cadeira de língua francesa e outra de língua inglesa. Esse fato indicava a feição pragmática que os estudos primários e secundários passariam a assumir, com o intuito de fortalecer e facilitar o comércio com outras nações, principalmente devido à abertura dos portos para o comércio estrangeiro, em 28 de janeiro de 1808.

        O ensino de tais línguas foi motivado também pela forte influência do enciclopedismo francês em toda Europa e pela Revolução Francesa (1789) e pelo empirismo inglês que havia ganhado voga internacional com a independência dos Estados Unidos (1776), como sugere o texto do decreto de 22 de junho de 1809:
E, sendo, outrossim, tão geral e notoriamente conhecida a necessidade de utilizar das línguas francesa e inglesa, como aquelas que entre as vivas têm mais distinto lugar, e é de muita utilidade ao estado, para aumento e prosperidade da instrução pública, que se crie na Corte uma cadeira de língua francesa e outra de inglesa.

Escolas Bilíngues e Internacionais


       Paralelamente a esse surgimento e crescimento de cursos de línguas no Brasil, ocorre o ensino bilíngue, o qual começou a crescer no país há não mais que três décadas, de acordo com Moura. Nesse tipo de escola, há o ensino de e em duas línguas desde as séries iniciais da educação escolar. Essas escolas seguem o calendário e diretrizes nacionais.


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Como referenciar: "Professor ou Coordenador? O Papel Diferencial na Educação Bilíngue nas Aulas de Língua Estrangeira" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 20/04/2024 às 06:03. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/textos/index.php?id=54