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Africanidade, Exclusão e Leis No Brasil (página 2)


África e africanidade: resgate histórico-cultural a partir da lei 10.639/2003.

A África durante muitos anos foi uma região desconhecida para a maioria dos brasileiros. As informações exibidas pelos canais de televisão quase sempre associavam o continente africano às imensas savanas e sua vida selvagem. Outro aspecto que vinha recebendo algum destaque eram as crises humanitárias enfrentadas por algumas regiões africanas. A África, porém, sempre foi muito mais do que isso.

Ao contrário do que pensam alguns a África não é um país, mas um gigantesco continente com cerca de 30.2 milhões de km², onde se situam 55 países independentes. Há em todo o continente uma vasta diversidade étnica, cultural, linguística e geográfica. Muito além da clássica divisão entre África branca e África negra ou subsaariana, é possível observar inúmeras especificidades étnicas em todo o continente.

No tocante à cor de pele, estatura, tipo de cabelo entre outros caracteres fenotípicos, surgem variações notáveis. Na África se concentra a maior parte da diversidade genética da espécie humana. Em razão disso, dois africanos tendem a ser mais diferentes entre si do que um nativo da Europa e um da Ásia (VIEIRA; LIMA, 2008). O tipo físico longilíneo do povo massai (no sul do Quênia e norte da Tanzânia) é, por exemplo, muito diferente do povo Mbuti (conhecidos como pigmeus, na África central), muito embora prevaleça no Brasil o entendimento de uma falsa homogeneidade entre os nativos africanos.   

Visando aproximar o país de suas origens africanas o governo brasileiro sancionou a Lei 10.639 em 09 de janeiro de 2003, tornando obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nas escolas de ensino médio e fundamental, públicas e privadas. Verdadeiramente não resta dúvida de que a realidade histórica e cultural africana está intimamente relacionada ao Brasil, como se lê nas palavras de Cotrim:

Apesar de terem chegado ao Brasil sob as mais penosas condições, os africanos participaram intensamente da formação das vivências culturais brasileiras. Essa participação se deu por meio de um processo contínuo, rico e diversificado, e é marcante em diversos setores culturais, como, por exemplo, a literatura, o vocabulário, a música, a alimentação, a religião, o vestuário e a ciência (COTRIM, 2001, p. 107).

Com a nova lei o universo da africanidade ganhou espaço na mídia, nas escolas e universidades brasileiras. Obras com rico conteúdo didático abordando o assunto foram lançadas no país nos últimos anos. Antes da lei nem mesmo os países africanos de onde foram trazidos os escravos negros eram conhecidos. Os estudantes brasileiros desconheciam, por exemplo, que o povo banto fora o grupo mais numeroso de negros que chegou ao Brasil, mas que não tinham sua história registrada até bem pouco tempo. Pouca gente sabe que o samba e o carnaval são influências banto. Os bantos vieram de regiões como o Congo, Angola e Moçambique. Da Nigéria, do Togo e do Benin vieram os grupos sudaneses conhecidos como iorubas ou nagôs, e os jejes.

Uma grande parte dos negros trazidos para o Brasil veio das regiões de Angola, Congo e Moçambique. Nessas áreas foram embarcados povos que falavam línguas bantas, por isso ficaram conhecidos como bantos. [...] Uma outra parte dos negros trazidos para o Brasil foi proveniente de uma grande área da costa ocidental da  África que os europeus daquela época chamavam Guiné. Nessa extensa área foram embarcados diferentes povos sudaneses, entre os quais se destacam os de língua iorubá. Esses povos foram destinados em grande quantidade à Bahia, onde ficaram conhecidos como nagôs (BOULOS Jr., 1994, p.62).

A Lei 10.639/03 sem dúvida favoreceu o resgate da cultura negra no Brasil. No país os estudos sobre o negro até então se restringiam ao povo nagô, devido à influência do pesquisador maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). Alguns centros de pesquisa brasileiros sempre estudaram o povo nagô, deixando esquecidas outras raízes étnico-linguísticas relevantes.

No universo literário, do mesmo modo, os escritores africanos de diferentes nacionalidades sempre estiveram à margem dos interesses dos leitores brasileiros. Nomes como Mia Couto, Agostinho Neto, José Craveirinha, José Eduardo Agualusa, Pepetela, Naguib Mahfouz, Nadine Gordimer, entre outros até muito recentemente não constavam nas bibliotecas dos estudantes do Brasil.

A Lei 10.639/03 trouxe benefícios para a formação da identidade do povo brasileiro, considerando que somos todos  de algum modo afrodescendentes. Lídia Cunha, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que "quando se perde o contato com seus antepassados e se é bombardeado diariamente com notícias negativas sobre eles e seu continente, a tendência é negar suas origens e acabar se afastando". Somos a segunda maior população afrodescendente do planeta e isso parecia até então ignorado pelo governo e por toda a sociedade.
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Como referenciar: "Africanidade, Exclusão e Leis No Brasil " em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 25/04/2024 às 23:54. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/africanidade_exclusao_leis/?pagina=1