Você está em Artigos

Poética da Linguagem; Um Trançado de Bilro entre Oralidade, Literatura e Folclore (página 4)

Cultura da infância: compreendendo o folclore infantil em Florestan Fernandes

Afirmo que iniciei a minha aprendizagem sociológica
aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse um
adulto e penetrei, pelas vias da experiência concreta, no
conhecimento do que é a convivência humana e a sociedade.

(...)para um recém egresso dos quadros mentais da cultura de folk, aquela pesquisa era fascinante. Eu lancei-me a ela com um alvoroço de um primeiro amor.
Florestan Fernandes

Florestan Fernandes nasce em São Paulo a 22 de julho de 1920. De origem humilde, filho de uma costureira do Brás, conheceu o mundo do trabalho ainda muito cedo, aos seis anos de idade. E como ele próprio afirma, se deu na infância o seu primeiro contato com a dura realidade concreta "do que é a convivência humana e a sociedade", esta realidade marcada pela injustiça social e pela desigualdade entre os homens.

A infância, que certamente pode ser um "viveiro de prazeres", como diz uma crônica de Luís Fernando Veríssimo, pode ser e ter juntamente com os prazeres  um "viveiro de desprezares", principalmente se pensarmos na contingência da miserabilidade espalhada por todo esse extenso território brasileiro de crianças e infâncias largadas à própria sorte ou à falta de.  Afinal, para aqueles que descendem das classes mais baixas a infância será já pré-moldada com a expectativa de inúmeras superações.

Comparadas às piores cenas dantescas, podem se tornar filhos de uma espécie de mundo que os lança à invisibilidade e ao acaso das calçadas, das ruas, vielas e barracos. Numa orfandade de cidadania, ou de políticas, logo de início precisarão sobreviver e resistir à força bruta da opressão, neste caso: a própria vida severina, já que não se tem outra de pia. E mesmo superando todas as primeiras etapas de sobrevivência, difícil ou negado poderá ser o caminho que os levará à educação formal, caminho fortemente marcado pelo desafio material e pela desconfiança quase sempre punitiva daqueles que insistirão considerá-los à margem. Isso sem contar as intempéries e todos os déficits de formação, decorrentes da distância abissal entre as camadas mais pobres e as mais privilegiadas deste país. 

Mas ainda assim, não podemos, numa visão reducionista, deixar de considerar a capacidade de subversão do que pode parecer "destino definitivo", afinal seria limitar toda infância pobre a um rosário de dramas ininterruptos. O que também não se pode negar é que mesmo vivida com mais "desprazeres" que prazeres, mora na infância a primeira possibilidade de transgressão de lugar, de superação e não aceitação do factum.

Tampouco podemos desconsiderar que a experiência concreta de uma dura realidade social vivida desde a infância não se torne ela própria também responsável por uma visão de mundo mais à derme dessa realidade, e consequentemente, mais sensível a essa realidade. Foi o que Florestan Fernandes viveu - o pensamento sobre a sociedade brasileira, a princípio, à derme e à flor da sua infância; depois, à flor de sua trajetória e experiência.

A trajetória humana e acadêmica do sociólogo Florestan Fernandes nos instiga a um "querer  saber" que é ao mesmo dinâmico e potencializador, "querer saber" que precisa se fazer ação criativa, poiesis e transformação na luta contra as artimanhas de um tipo de discurso estéril que esvazia de sentido qualquer possibilidade de reflexão. Discurso que se dissemina, internalizado por muitos que deixam de acreditar numa educação com esperança e para as mudanças.  

O pensamento crítico e a ação mobilizadora são, de fato, possibilidades significativas e efetivas de intervenção na realidade social. E que é necessário que o discurso da mudança parta do pensamento da mudança aliado ao desejo da mudança e à ação da mudança. Mas como nos ensina Paulo Freire, não se faz isso sem assumir riscos, sem que nos arrisquemos, até mesmo perdendo parte daquela falsa segurança, daquele conhecido conformismo que nos protege da aventura.

Por isso torna-se mesmo inegável a contribuição de Florestan Fernandes aos campos da Sociologia e da Educação no Brasil. E creio ser significativo notar que, mesmo mantendo a sociologia como base de sua fundamentação e sustentação teórica, o que se refletiu em  toda sua contribuição acadêmica, Florestan Fernandes não se limitou a uma monocultura temática, não se restringiu a único campo do conhecimento sociológico, o que, aliás, pode ser visto como qualidade inerente a sua notável inquietude e capacidade intelectual.   E nesse contexto e a partir de experiências diversas, datam de 1941 a 1962,  uma série de textos sobre o estudo sociológico do folclore, textos que foram reunidos e posteriormente publicados nos livros "Folclore e mudança social na cidade de São Paulo" (1979, 1ed.) e "O folclore em questão" (1977, 1ed.). Esses estudos fizeram parte principalmente de um período de formação em que o sociólogo paulistano ainda iniciava suas primeiras pesquisas nas ciências sociais, passando nesse ínterim, de aluno de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 1941, a segundo assistente na cadeira de sociologia II na Universidade de São Paulo, em 1945.

Nesse primeiro período de estudo, Florestan Fernandes desenvolveu um intenso trabalho de pesquisa na cidade de São Paulo. E dessa fase vale ressaltar a importante contribuição empírica de um estudo sobre "a arte popular", principalmente no que diz respeito à criação de uma análise crítica que, debruçada sobre uma sociologia do folclore, se amplia e se potencializa no chamamento para uma teorização de caráter investigativo, esta centrada numa perspectiva prático-metodológica, ressaltando por sua vez "o folclore" como relevante campo de conhecimento e pesquisa sociológica.

Nota-se, desde então, a objetividade e o rigor que Florestan Fernandes buscava empregar nesse fazer metodológico. Pois considerava que numa ciência "imatura" como a sociologia era de grande importância, "a reflexão metodológica", posto ser necessário defendê-la de desvios provindos de outros campos. (FERNANDES, 1976, p.57)

É com Florestan Fernandes que nasce então uma forma de reflexão metodológica que resulta num "fazer sociológico", este que ao legitimar a pesquisa é também legitimado por ela. Movimento que se amplia e se modifica nas décadas seguintes e que pode ser compreendido como umas das singularidades de um intelectual que buscou respeitar, sobretudo as suas próprias mudanças com seus movimentos internos. 

A década de 1940 ou o primeiro momento de estudo e formação de Florestan Fernandes pode ser descrito pela "construção do saber", mas penso que também pode imprimir à década "a construção de um fazer: fazer sociologia", construção que nas pesquisas e textos do sociólogo se evidencia num singular intercruzamento metodológico: de um lado uma incontestável experiência empírica e do outro, um enriquecedor universo de referências culturais da sociedade brasileira. Essa malha teórica-prática vai se refletir no olhar ao mesmo tempo crítico e sensível do pesquisador para questões nodais da realidade social.

Nesse momento de formação, Florestan Fernandes buscou trabalhar com pequenos grupos e comunidades. E sobre essa escolha mais tarde vai confirmar

  (...)ser o melhor expediente para levar o aluno a refletir sociologicamente e aprender o respeito pelos dados de fato, a compreender e praticar a objetividade, a descobrir a utilidade dos conceitos e teorias sociológicas, a perceber o valor das hipóteses e dos critérios pelos quais elas podem ser submetidas à prova, a adquirir habilidades na identificação, classificação e tratamento analítico das evidências relevantes para a descrição e interpretação dos fenômenos considerados, a capacitar-se para lidar com a totalidade e a construir tipos etc. , (FERNANDES, 1976, p.70-71)

Anterior   Próxima

Voltar para a primeira página deste artigo


Warning: date() [function.date]: It is not safe to rely on the system's timezone settings. You are *required* to use the date.timezone setting or the date_default_timezone_set() function. In case you used any of those methods and you are still getting this warning, you most likely misspelled the timezone identifier. We selected 'America/Sao_Paulo' for '-03/-3.0/no DST' instead in /home/storage/8/a1/08/pedagogia/public_html/final.php on line 104

Warning: date() [function.date]: It is not safe to rely on the system's timezone settings. You are *required* to use the date.timezone setting or the date_default_timezone_set() function. In case you used any of those methods and you are still getting this warning, you most likely misspelled the timezone identifier. We selected 'America/Sao_Paulo' for '-03/-3.0/no DST' instead in /home/storage/8/a1/08/pedagogia/public_html/final.php on line 104

Warning: date() [function.date]: It is not safe to rely on the system's timezone settings. You are *required* to use the date.timezone setting or the date_default_timezone_set() function. In case you used any of those methods and you are still getting this warning, you most likely misspelled the timezone identifier. We selected 'America/Sao_Paulo' for '-03/-3.0/no DST' instead in /home/storage/8/a1/08/pedagogia/public_html/final.php on line 105

Warning: date() [function.date]: It is not safe to rely on the system's timezone settings. You are *required* to use the date.timezone setting or the date_default_timezone_set() function. In case you used any of those methods and you are still getting this warning, you most likely misspelled the timezone identifier. We selected 'America/Sao_Paulo' for '-03/-3.0/no DST' instead in /home/storage/8/a1/08/pedagogia/public_html/final.php on line 105

Warning: date() [function.date]: It is not safe to rely on the system's timezone settings. You are *required* to use the date.timezone setting or the date_default_timezone_set() function. In case you used any of those methods and you are still getting this warning, you most likely misspelled the timezone identifier. We selected 'America/Sao_Paulo' for '-03/-3.0/no DST' instead in /home/storage/8/a1/08/pedagogia/public_html/final.php on line 106

Warning: date() [function.date]: It is not safe to rely on the system's timezone settings. You are *required* to use the date.timezone setting or the date_default_timezone_set() function. In case you used any of those methods and you are still getting this warning, you most likely misspelled the timezone identifier. We selected 'America/Sao_Paulo' for '-03/-3.0/no DST' instead in /home/storage/8/a1/08/pedagogia/public_html/final.php on line 106
Como referenciar: "Poética da Linguagem; Um Trançado de Bilro entre Oralidade, Literatura e Folclore" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2025. Consultado em 12/10/2025 às 18:05. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/poeticadalinguagem/?pagina=3