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Psicanálise Freudiana e Educação: os Professores enquanto Substitutos Paternos na Adolescência (página 4)


1.3 Da destruição do ideal paterno e da eleição dos professores enquanto seus substitutos na adolescência

Decerto, para os que não estão familiarizados com os pressupostos da psicanálise, deve ser difícil concluir, afinal, qual a relação entre "Complexo de Édipo", juntamente com seus derivados, aos que nos referimos acima, e os professores. Desde já, então, cumpre dizer que os professores são compreendidos como sub-rogados paternos pelas adolescentes e pelos adolescentes. Conquanto não pareça, essa conclusão não se mostra obscura, ao passo que a de como ocorre essa substituição, sim.  Com efeito, fazendo uso de um silogismo, é o que tentaremos depreender a partir deste ponto.

Em primeiro lugar, somos levados a assegurar, sem hesitação, que todos os relacionamentos e escolhas empreendidas, após o período infantil, fundamentam-se nas relações estabelecidas no período edípico, como foi possível perceber na seção anterior, sendo importante lembrar que elas são, em suas essências, ambivalentes. Todas as pessoas a quem nos achamos ligados em nossa socialização são figuras substitutivas das pessoas com as quais nos relacionamos em nossas mais tenras idades, isto é, nossos pais. Para reforçar a linha de raciocínio, reportemo-nos às palavras de Freud:

[...] relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma espécie de herança emocional, defronta-se com simpatias e antipatias para cuja produção esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos (sic) (FREUD, 1996 [1914], p. 257).

Se, por exemplo, observarmos nossas relações com nossos professores na adolescência, isso se torna bastante admissível. É bem verdade que, em grande parcela, tanto nossas preferências quanto nossos bloqueios na vida passam por eles, sobretudo os de caráter científico. Ao mesmo tempo em que os cortejávamos, sentíamos por nossos professores grandes antipatias. Analisávamos suas personalidades e, a partir delas, formávamos as nossas. No fundo, porém, o que realmente sentíamos por eles era nada mais nada menos do que uma grande afeição: "Estávamos, desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los." (FREUD, 1996 [1914], p. 256)., isto é, indicando uma forte demonstração da "Ambivalência de Sentimentos". Quanto a essa nossa maneira ambivalente de nos relacionarmos com nossos professores, temos tão-somente a dizer que são resquícios de nossas relações primeiras com nossos pais.

Em segundo lugar, já nos períodos da adolescência, onde ocorre, de maneira mais intensa, a socialização, o ideal paterno decai expressivamente, ocasionando, tanto à adolescente quanto ao adolescente, desprezo, rebeldia e, não menos, a dissolução da autoridade (Freud, 1996 [1910]). Antes, na infância, tanto a menina quanto o menino, atribuíam ao pai a figura de um ideal, agora, porém, começam a fazer novas descobertas e, por consequência, deixam que sua ideia original concernente a ele se altere, fazendo com que ocorra o "desligamento de seu primeiro ideal" (Freud, 1996 [1907]).

Assim, as adolescentes e os adolescentes, chegam à conclusão de que o pai não é o ser mais potente, detentor de sabedoria e riqueza, conforme inferiam na infância. Essa descoberta é bastante frustrante para eles, despertando uma forte insatisfação, fazendo com que o pai seja criticado e seu lugar na sociedade seja avaliado. Desejam, enfim, que ele pague da maneira mais pesada para aplacar seus desapontamentos. As novas conclusões a quem chegam, devido à socialização, solapam a idealização do pai, consequentemente, a identificação e o amor que os jovens e as jovens nutriam por ele. Nesse momento, em outras palavras, é desferido o golpe na expectativa primeira, isto é, referente à infância, que as adolescentes e os adolescentes até então depositaram no pai (Freud, 1996 [1907]).

Em terceiro lugar, por fim e como consequência da conjunção das duas situações anteriores, entram em cena os professores enquanto ideais paternos. Nem todos, é verdade, são pais reais, mas passam a ocupar o lugar de pais na fantasia das adolescentes e dos adolescentes. Os professores tornam-se, então, substitutos do pai real que, não sendo esperado, causou desapontamentos indescritíveis ao deixar transparecer suas faltas, falhas e impotências. Isso ocorre porque demonstram serem, em suas representações e no imaginário cultural, maduros, "inatingivelmente adultos", detentores de um saber que naquele que deveria tê-lo, o pai real, ficou aquém; portanto, são indiscutivelmente modelos apropriados ao processo de identificação por partes das adolescentes e dos adolescentes. É importante lembrar que é justamente nesse período da vida em que estamos a reformular aspectos de nossa identidade e a concluir a construção de nossa personalidade (Freud, 1996 [1914]).

Mas, como nem tudo são flores, acontece que essa substituição é aprazível somente em um primeiro momento, sendo que posteriormente se repete a mesma ambivalência de afetos com o pai faltoso. As adolescentes e os adolescentes começam a tratar os professores tal qual tratavam seus pais na infância: primeiro, idealizando-os, depois, hostilizando-os. Assim, nas próprias palavras de Freud (1996 [1914], p. 158), que inclui a maioria de nós nessa circunstância: "Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso."

Sintetizando, (1) as relações nas fases posteriores da vida são guiadas pela herança emocional adquirida no período edípico; (2) no período da adolescência, devido à socialização, ocorre a desconstrução do ideal paterno, sobretudo pela via do saber, abrindo brecha à eleição de uma pessoa que venha a ocupar seu lugar, em nosso caso os professores; (3) por consequência dessa conjuntura, os professores vêm a ocupar o lugar do pai real, por representarem serem as figuras que mais se demonstram detentoras de saber e altamente maduras. Porém, devido à luta constante entre os sentimentos de amor e ódio, as adolescentes e os adolescentes acabam por repetir na relação com os professores, os substitutos paternos, a mesma ambivalência de afetos existente na relação com o pai real.    

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Como referenciar: "Psicanálise Freudiana e Educação: os Professores enquanto Substitutos Paternos na Adolescência" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 18/05/2024 às 03:31. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/psicanlise_freudiana/index.php?pagina=3