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As Duas Faces da Adaptação Infantil (página 3)

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A adaptação na escola infantil tratada pelas literaturas ainda como "creches", em qualquer idade é um processo delicado e exige muita compreensão e diálogo entre as partes envolvidas. Esse processo não é apenas difícil para a criança que está vivenciando algo novo, mas também para a família e para a instituição porque cada criança é única e tem uma forma de reação.

Segundo ROSSETTI-FERREIRA, et al. (2011 pp. 51 e 52)

Porém se engana quem acha que só a criança enfrenta mudanças na entrada na creche. Sua reação pode ser a mais evidente. Mas família também sofre nesse processo. As mudanças não ocorrem só na rotina da família, que tem de encaixar os horários da creche no seu dia a dia. Muda também a forma de encarar a educação e o cuidado de sua criança (...). E não é só a criança e a família que enfrentam mudanças. O educador também precisará se adaptar, descobrindo pouco a pouco, nesta criança e nesta família, seus novos parceiros do dia a dia.

Durante estes dezessete anos trabalhei em três escolas da rede municipal de Ijuí intituladas Escolas de Educação Infantil e vivenciamos muitas situações de adaptação, sendo que sempre procuramos trabalhar em sintonia com a família.  Antecedendo a estreia da criança na escola realiza-se uma entrevista com a família buscando informações detalhadas sobre seu desenvolvimento, seu jeito de ser e também explica-se a rotina e o funcionamento da escola, proporcionando assim uma  troca de saberes entre os pares que poderão auxiliar no bem estar da criança neste novo ambiente e tranquilizar também a família.

Muitas vezes a falta de tempo da mãe ou de outro membro da família para acompanhar esse processo acaba atrapalhando e comprometendo o sucesso e a permanência da criança na instituição. Muitas mães acabam procurando a escola para dar inicio ao processo escolar praticamente nos dias de voltar para o trabalho e nem sempre conseguem que outra pessoa acompanhe seu filho e isso acaba muitas vezes complicando e até deixando a criança insegura porque não conseguem respeitar o tempo que cada criança precisa para se familiarizar com este novo local até então totalmente estranho.

É muito importante que os tempos combinados bem como os horários de chegada e saída sejam respeitados, pois estes darão segurança para a criança e ela vai aos poucos perceber que não está abandonada neste lugar, que ela vem, fica um pouco e depois retorna para a família e assim vai descobrindo que ali muitas coisas interessantes acontecem.

Diante de inúmeras situações sempre procuramos manter um diálogo com as mães para compreender o processo de adaptação. O primeiro passo é saber se realmente estão certas e convictas que necessitam deixar a criança na escola, então é necessário ter "forças" para encarar essa difícil fase repleta de choros e inseguranças. Muitas crianças choram nos primeiros dias sendo necessário deixa-las apenas alguns minutos para que consigam familiarizar-se com esse novo ambiente e gradativamente amplia-se esse tempo com o passar dos dias. Outras crianças sentem-se envolvidas pela novidade e não choram nos primeiros dias, o que não significa que estejam adaptadas e o choro acaba surgindo mais tarde quando percebe o que está acontecendo realmente e que não está ali para passear e sim para ficar. E ocorrem alguns casos também que as crianças não estranham em nenhum momento na primeira semana já passam pelo processo gradual adequando-se à rotina escolar rapidamente.

Durante esses dezessete anos sempre procurei passar informações para as famílias , normalmente na pessoa da mãe, mostrando o ambiente da sala de aula, detalhando a rotina da turma, exemplificando meu método de trabalho, buscando tranquiliza-las principalmente  quando as crianças choravam muito na hora da separação e  posteriormente logo se acalmavam. Muitas vezes parecia que as mães não acreditavam no que a gente estava falando porque tão grande era a aflição de seu filho quando tinham que se afastar, aí sugeríamos que voltassem dar uma espiada para poderem comprovar o que haviam escutado e assim podíamos perceber que a confiança ia se alastrando.

Durante a adaptação, a educadora vai auxiliando a criança a familiarizar-se com os novos horários de sono, alimentação e banho, buscando um equilíbrio dos seus hábitos e costumes, aproximando-os gradualmente ate acomoda-los a rotina da creche. Esse processo será facilitado se a criança puder sentir tranquilidade e segurança na decisão dos pais de coloca-la na creche e na relação deles com sua educadora. (ROSSETTI-FERREIRA et al.2011, p. 53)

Recentemente foi chegada a hora de vivenciarmos a outra face dessa história. Depois de ter meu bebê e ter o privilégio de ficar dez meses e meio de licença dedicada exclusivamente para cuida-la era necessário escolher um local para ela ficar, pois era preciso retornar ao trabalho, muito intenso de dez horas diárias divididas em duas instituições escolares.

Juntamente com o marido decidimos escolher uma instituição privada para matricula-la entre outros motivos principalmente pela flexibilidade de horário oferecida. Então quando ela estava com seis meses fomos conhecer algumas instituições e seu perfil de trabalho. A dor era intensa só de pensar que ia chegar o dia que a licença iria terminar e teria que leva-la para este estranho local. O choro foi inevitável só de imaginar como esse momento seria difícil e doloroso para nós duas. Mas lá no fundo a consciência exigia forças e eu sabia que era a melhor decisão.

Escola escolhida, matrícula realizada, ainda tínhamos alguns meses para ir amadurecendo e aceitando a ideia de que teríamos que ficar longe, cada vez que lembrava as lágrimas corriam porque era muito difícil imaginar que meu bebezinho fosse ficar longe dos meus cuidados. O tempo foi passando muito rápido e então era hora de decidir a data inicial da adaptação. Pensamos juntos em casa e decidimos que iríamos escolher um período longo para que tudo pudesse transcorrer da melhor maneira possível com o menor sofrimento para o bebê.  

O dia nem tão esperado assim chegou e ela estava com nove meses e alguns dias quando marcamos a data do início da adaptação. A minha cabeça de mãe estava preparada para que ela ficasse no máximo quinze minutos em cada turno porque imaginava que o sofrimento seria muito grande. Foi então que conversamos muito com a equipe da instituição e também a professora responsável pela turma onde nos colocaram que faríamos uma primeira tentativa de quarenta e cinco minutos para ver como seria seu comportamento e eu concordei porque precisava confiar e acreditar no trabalho da instituição, mas deixei claro que se chorasse era para me avisar porque queria um processo gradativo e que pudesse trazer o mínimo de sofrimento possível para ela.

Então trabalhei por alguns dias na minha cabeça aquilo que sempre frisava para as mães dos meus alunos que precisavam confiar na escola para poder transmitir essa confiança para a criança e consegui ficar calma e acompanhar de maneira muita tranquila essa transição.

Para ela os primeiros dois dias foram de novidade misturado com a saudade, aí veio o terceiro dia que trouxe mais insegurança e foi o ponto mais difícil e já esperado que acredito foi a hora de perceber que não estava ali só para passear e passar alguns minutos e sim com um propósito. Mas ficava aguardando na sala de espera com muita tranquilidade porque sabia que isso era de extrema importância para ela. E assim a semana passou, veio a próxima e o tempo foi gradativamente sendo ampliado e as relações de afetividade foram se transformando e tudo transcorreu de uma maneira bem agradável e em menos de um mês a adaptação estava concluída.

Desta forma foi possível retornar ao trabalho com a certeza de que  a escolha certa foi realizada e que essa preciosidade que é um filho está num local seguro, acolhedor e educativo.

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Como referenciar: "As Duas Faces da Adaptação Infantil" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 29/04/2024 às 12:40. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/as_duas_faces/index.php?pagina=2