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Africanidade, Exclusão e Leis No Brasil (página 3)

Cultura racista: resistência à inclusão do afrodescendente.

Outras iniciativas do governo brasileiro estão gradativamente fortalecendo o vínculo do Brasil com suas raízes africanas. A Lei 12.288 de 2010 instituiu o Estatuto da Igualdade Racial e um ano depois a Lei nº 12.519 de 2011 consagrou a data de 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. São conquistas importantes, mas resta ainda muito por fazer.

Atualmente a Lei 7.716 de 05 de janeiro de 1989 define os crimes resultantes de preconceitos de raça e de cor no Brasil. A iniciativa da lei é válida e necessária, porém pouco alterou a realidade do negro na esfera social brasileira. Com relativa frequência o noticiário nacional tem apresentado denúncias de racismo ou preconceito de cor no país. Práticas de racismo ou de injúria racial ainda são lamentavelmente comuns no Brasil.

Entre pessoas a única raça admitida no meio científico é a raça humana. Atribuir defeitos de conduta moral a um grupo étnico-cultural é uma prática sem qualquer fundamento científico. O que existe, quando muito, são estereótipos perigosos. Nenhuma pesquisa sociológica séria nos autoriza a associar, por exemplo, terrorismo com povos de origem árabe. Bobagens como a crença na superioridade da raça ariana ou na subalternidade dos povos africanos carecem igualmente de qualquer base racional e serviram de pretexto para alguns dos mais bárbaros crimes já cometidos contra a humanidade. No Brasil a escravidão de seres humanos durante trezentos anos foi emblemática nesse sentido.

Há certamente ainda hoje uma cultura racista implícita nas relações socioeconômicas do país, representando uma barreira severa diante das políticas favoráveis à superação do preconceito. O maior exemplo pode ser encontrado nas dificuldades enfrentadas pelo governo em sua política de cotas para negros nas universidades públicas.

O Brasil possui uma das maiores populações negras do mundo - mais de 50% dos habitantes são negros ou afrodescendentes, segundo dados do IBGE. Ainda assim, apenas 1% frequenta o ensino superior. "Na USP, a maior universidade da América Latina, os alunos negros não ultrapassam 2% e, dos 5.400 professores, menos de dez são negros" (COMPARATO, 2008, p.02).

Para superar essa aberração histórica a Lei 12.711 de 2012 tornou obrigatória a reserva de cotas raciais no Ensino Superior. O acesso privilegiado de negros a universidades públicas não obstante vem esbarrando em forte resistência dentro e fora das academias.
Jairo Pacheco (2007), um dos principais defensores da proposta de reserva de vagas para os estudantes negros na Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR), acredita que "a negação a discutir formas inovadoras de promoção de inclusão social via acesso ao ensino superior, significa aferrar-se ao argumento meritocrático de acesso dos mais capazes, sem questionar as condições objetivas de oferta de condições equânimes para que as "capacidades" se desenvolvam em todos os segmentos da sociedade".

Outra evidência da exclusão e da invisibilidade do negro no Brasil está nos meios de comunicação, sobretudo no publicitário. Um estudo realizado pelo produtor de TV Joel Zito Araújo, sobre a participação de atores e atrizes negros em novelas das redes de TV Globo e Tupi entre 1964 e 1997, concluiu que 71 fizeram papéis de empregadas domésticas, 66 foram escravos, apenas um foi médico e dois atuaram como engenheiros. "Na televisão e na propaganda o Brasil é a Escandinávia: um país louro, de olhos azuis", segundo opinião veiculada pela Revista Veja em outubro de 1995 (NAVISKAS, 1995, p.142).

A inclusão do negro na propaganda veiculada em revistas e jornais é, portanto, algo relativamente recente e quantitativamente desproporcional ao número de negros e afrodescendentes existentes no país, cerca de 97 milhões atualmente. Isto também comprova a existência de uma cultura racista nas relações sociais do Brasil, realidade que apenas muito recentemente vem sendo admitido.

Demonstrar a exclusão e a invisibilidade do negro no meio publicitário foi o objetivo de uma pesquisa realizada junto a Universidade Norte do Paraná (Londrina), no ano de 2002 (GALVÃO; QUEIROZ, 2002). A metodologia utilizada naquela ocasião foi a catalogação de mercadorias de circulação nacional expostas nas prateleiras das maiores redes de supermercados da região Norte do Paraná, enfatizando os produtos que trouxessem nos rótulos imagens de pessoas brancas e/ou negras. Considerando que é diante da prateleira do supermercado que o consumidor toma a decisão final de compra, a apelação publicitária tende a ser decisiva.

Nos reclames publicitários veiculados diretamente em rótulos de mercadorias comercializadas em supermercados, constatou-se forte exclusão da imagem de pessoas de pele negra. Em embalagens de leite em pó, achocolatados, shampoo, sabonetes, creme dental, amaciante de roupa, fraldas, entre outros produtos, o mais comum foi encontrar fotografias e gravuras de adultos ou crianças e bebês de pele clara. Como resultado constatou-se que pessoas de cor negra apareciam, isoladamente, apenas em produtos dirigidos ao público afrodescendente.

A presença do negro foi constatada ainda quando a mercadoria trazia no rótulo imagens de pessoas de diferentes cores agrupadas. Em 100% dos rótulos de mercadorias sem referência ao tipo de cabelo ou cor de pele, foram constatadas imagens de pessoas brancas, exclusivamente. Considerando que o Brasil possui uma das maiores populações negras do mundo - mais de 50% dos habitantes são negros ou afrodescendentes - a conclusão da pesquisa realizada no ano de 2002, traduzia a exclusão étnica e denunciava o preconceito racial.          

Na atualidade já é possível observar uma realidade bastante diferente se comparada com a época da realização da pesquisa supramencionada. O afrodescendente vem ganhando espaço no universo publicitário e midiático, um notório resultado da luta contra a discriminação.
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Como referenciar: "Africanidade, Exclusão e Leis No Brasil " em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 05/05/2024 às 12:34. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/africanidade_exclusao_leis/index.php?pagina=2