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A Matemática e o Novo Ensino Médio (página 2)

Sobre o atual ensino de Matemática no curso médio

Uma caracterização

    Será possível descrever o tipo de ensino atualmente praticado no curso médio? O país é vasto, com múltiplas diferenças regionais; as escolas são numerosas, com perfis muito variados em termos de instalações, de propostas pedagógicas, etc. Há escolas noturnas, para alunos que trabalham durante o dia, oferecendo três aulas semanais de Matemática. Por outro lado, em certas escolas, cujos alunos vêm de famílias de alto poder aquisitivo, ministram-se sete aulas semanais da disciplina no período matutino.

    No entanto, acreditamos que existe um tratamento comum à maioria das escolas, em relação à nossa disciplina. Trata-se de enforcar a Matemática como um conjunto de técnicas (ou algoritmos / procedimentos) com as quais se obtêm certos resultados. Isso reflete na grande quantidade de exercícios que se resumem a "calcular", "obter", " efetuar". Quase tudo consiste em aplicar as fórmulas adequadas em contextos exclusivamente matemáticos. Demonstrações quase nunca surgem, mesmo quando se trata de uma simples dedução de fórmula. O que importa é o "como fazer", sem preocupação com o "por que fazer assim?" e menos ainda com o "para que fazer?".

    Esse tipo de ensino afasta-se daquele que o PCNEM defende. Situações com contextos interdisciplinares são raras. Dificilmente ocorrem momentos que possam favorecer o desenvolvimento de habilidades de representação, comunicação e expressão de idéias matemáticas. Além disso, há poucas oportunidades para explorar o raciocínio na resolução de problemas verdadeiros, mas muitas destinadas aos exercícios padronizados.

    Por tudo isso, a Matemática perde seu potencial formativo, não exibe suas aplicações nos vários campos do conhecimento, nem permite que o educando a veja como uma ciência organizada. Esse estado de coisas pouco tem a ver com "a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da identidade".

    Esclarecemos que a nossa visão sobre o atual ensino de Matemática não pretende desmerecer os muitos colegas que dedicadamente ensinam no curso médio. As críticas aqui contidas dirigem-se às concepções e não às pessoas. Além disso, é claro que há escolas que, felizmente, escapam ao quadro apresentado.

    É preciso assinalar também que muitos dos males apontados surgem em todas as disciplinas. Recentemente, o educador e psicanalista Rubem Alves contou que, sobrevoando o estado do Paraná, perguntou à comissária de bordo qual o nome do grande rio que se avistava da janelinha do avião. A moça lhe disse que se tratava do São Francisco. Assombro! Comissárias de bordo certamente completaram o curso de 2° grau. Esta pode inclusive ter sido uma boa aluna, que nomeava corretamente os rios que apareciam nos mapas em suas provas de Geografia. Mesmo assim, ela viu o São Francisco no Estado do Paraná (na verdade, o rio era o Paranapanema) porque "não lhe foi ensinado que o mapa, feito através de símbolos para representar o espaço, só tem sentido se ligado a um espaço que não é símbolo, feito de montanhas, rios de verdade, planícies e mares".

    Esta história verídica ilustra, para a Geografia, o ensino sem contexto, não significativo, que foi ou ainda é habitual. O mesmo ocorre em outras disciplinas porque todas refletem o antigo paradigma de ensino informativo que bania a reflexão e ignorava o sentido e o contexto, já referido no início deste artigo.

    Para alguns, até parece natural que o ensino de Matemática seja descontextualizado, pois, conforme se alega, todos os objetos matemáticos são abstrações. A essa concepção, contrapõe-se a seguinte crítica: sem dúvida, é possível olhar a Matemática sob diversos ângulos; mas alguns são  bastante inadequados quando a aprendizagem está em jogo.

A "culpa" do vestibular

    Até certo ponto, o quadro que caracterizamos pode ter se estabelecido como uma tentativa de adaptar o ensino às necessidades dos exames vestibulares. Muitos professores afirmam que essa é a única maneira razoável de atender a tais exigências. Afinal, se outro exame limita-se a aplicação de algoritmos e fórmulas, parece obrigatório treinar os alunos, mesmo que em tarefas de pouco sentido.

    Abrindo parênteses, é interessante lembrar um episódio narrado pelo conhecido cronista Mário Prata. Um de seus textos fazia parte de um exame de vestibular de Língua Portuguesa e ele, o próprio autor, sentiu-se incapaz de responder às questões de interpretação lá propostas. Aparentemente, os examinadores supunham que, para ingressar numa faculdade de medicina, os alunos devessem dominar os meandros da moderna crítica literária.

    Apesar disso, culpar o vestibular por males do ensino não convence. Primeiro, porque eles não se enquadram todos num mesmo padrão e não são imutáveis. O sistema de ingresso adotado pela Universidade de Brasília, os exames da Unicamp, da PUC Campinas, da PUC São Paulo e os de algumas universidades federais são exemplos do gradual desuso do vestibular "conteudístico" e excessivamente técnico. Provas fora da realidade, como a descrita por Mário Prata, existem em muitos locais, mas não podem perdurar porque sua inadequação torna-se visível.

    Em segundo lugar, não se compreende por que um ensino de pouca qualidade formativa conduziria ao sucesso no vestibular. Ao contrário, saber pensar matematicamente, usando o conhecimento em diferentes contextos, aumentaria a garantia de sucesso, mesmo em um exame equivocado.

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Como referenciar: "A Matemática e o Novo Ensino Médio" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 02/05/2024 às 13:46. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/matematicamedio/index.php?pagina=1