Você está em Artigos

A Matemática e o Novo Ensino Médio (página 3)

Uma sugestão para um novo ensino

As condições

    Tendo em vista a análise precedente, julgamos que o atual ensino de Matemática contribui pouco para a formação do educando  (poderíamos acrescentar que a forma adotada não prepara o aluno  suficientemente para os exames vestibulares).  Além disso, acreditamos ser necessária a busca pelos objetivos expressos nos PCNEM.

    As bases legais e ideológicas deste ensino já estão dadas (LDB/96, DCNEM, PCNEM). Convém, então, considerar elementos específicos: conteúdos, enfoques, métodos pedagógicos. É isso que nos propomos a fazer, tentando sugerir um currículo prioritário para a Matemática de ensino médio, respeitando, porém, certas condições de contorno, que convém explicitar:

I) Nosso esboço curricular buscará corrigir e melhorar o ensino atual, evitando tanto quanto possível grandes descontinuidades e rupturas (por exemplo, nada de propor extinção de disciplinas ou drásticas mudanças de conteúdos) que, no momento, trariam mais confusão que progresso;

II) Acreditamos que as bases de uma nova proposta deveriam ser aplicáveis às escolas em geral, tanto para uma escola noturna (com três aulas semanais), quanto para uma matutina (com sete aulas semanais).

    No que diz respeito à segunda condição, esclarecemos que não pretendemos alcançar o impossível, isto é, que escolas com cargas horárias muito diversas trabalhem os mesmos conteúdos. Na verdade, supomos que alguma diversidade no aprendizado da Matemática é inevitável e, mais ainda, desejável, pois nem todos os educandos têm as mesmas aspirações. Destacamos que as DCNEM previram a autonomia de cada escola, cuja proposta pedagógica ocupará 25% do tempo escolar, de maneira mais conveniente. Portanto, o que chamamos de "proposta aceitável" envolveria um elenco de conteúdos prioritários, de aprofundamento variável de acordo com a escola. Em alguns casos, ele constituiria o programa total da disciplina porque, mesmo tendo um enfoque pouco profundo, aborda os conhecimentos necessários ao cidadão educado, trabalha as competências desejadas, além de permitir ao educando ter alguma idéia sobre a natureza da Matemática. Para outras escolas, a seleção prioritária seria apenas uma base para estudos mais específicos e avançados da disciplina.

    Além dessas condições, vamos ter presente que o ensino médio é a etapa final de uma formação básica e, portanto, geral, não especializada. O aspecto "generalista" evita a abordagem de minúcias técnicas da disciplina; o aspecto "terminal" é relacionado àqueles que encerram a formação matemática no âmbito escolar, os quais devem ter, ao menos, a oportunidade de discutir o significado do saber que os ocupou durante onze anos letivos, bem como estar cientes de sua real importância.

Conteúdos e enfoques

    Uma seleção de conteúdos é necessária porque, tendo-se em vista os objetivos, alguns conteúdos são mais adequados que outros. (Não é claro, por exemplo, que a teoria dos determinantes não pode ter a mesma prioridade que as noções de estatística?) O que talvez não seja tão evidente para nós, professores, porque estamos acostumados há muito tempo com os mesmos programas, é a diversidade de escolhas existentes  e a possibilidade de alterar a atual seleção. Sem essa percepção fica difícil aceitar mudanças.

    De fato, há muitos tópicos matemáticos que podem ser classificados como adequados ao nível médio de ensino, mais do que seria possível ensinar inclusive em cursos mais extensos que os nossos. Quando examinamos sistemas escolares de outros países, verificamos que em cada caso foi feita uma escolha particular, que supostamente deve atender às necessidades locais. Por exemplo, os alunos franceses devem aprender derivação, integração e correlação estatística, mas não se preocupam com determinantes e estudam muito pouco sobre a geometria espacial, que aparece em nossos currículos. Já nos Estados Unidos a programação é extensa, parece-se com a nossa, mas boa parte dos tópicos faz parte de cursos optativos. A maioria dos estudantes norte-americanos acaba estudando bem menos matemática, em comparação aos nossos.

    Admitindo que há um amplo leque de conteúdos e que temos a possibilidade de escolha, podemos pensar na seleção. Segundo o PCNEM, o critério central para isso "é o da contextualização e da interdisciplinaridade, ou seja, é o potencial de um tema permitir conexões entre diversos conceitos matemáticos e entre diferentes formas de pensamento matemático, ou ainda, a relevância cultural do tema, tanto no que diz respeito a suas aplicações dentro ou fora da Matemática, como a sua importância histórica dentro do desenvolvimento da própria ciência".

    No entanto, não basta escolher conteúdos. Faz-se necessário determinar com que enfoque ele será trabalhado em sala de aula. O enfoque engloba a forma de abordagem e tratamento de cada assunto, bem como as ênfases que serão estabelecidas em seu estudo. Vamos esclarecer um pouco mais, considerando o estudo inicial de funções que ocorre no ensino médio.

    Um enfoque possível desse conteúdo, adotado pela maioria dos livros didáticos, consiste em apresentar as funções como uma relação particular entre elementos de dois conjuntos, que é ilustrada de maneira típica por diagramas com flechinhas. Seguem-se definições de conceitos como domínio, contra-domínio, imagem (às vezes, funções crescentes, pares, etc.) e exercícios pedindo que se encontre, digamos, a imagem, em funções abstratas, que não estão ligadas a nenhuma aplicação. Depois, passa-se ao estudo de funções específicas, começando pelas funções (polinomiais) do 1° e 2° graus.

    Nesse tratamento, enfatizam-se problemas cujo contexto é exclusivamente matemático, tais como determinação de domínios e imagens, estudo de variação do sinal da função, etc., para os quais estabelecem-se procedimentos de resolução mais ou menos algorítmicos. Podem surgir alguns problemas "de aplicação", como a determinação da área máxima de um retângulo de perímetro dado, mas eles não constituem a parte fundamental do aprendizado.

    Um outro enfoque sobre o mesmo conteúdo mostra as funções como forma de exprimir uma relação entre grandezas variáveis. Idéias como domínio, imagem e contra-domínio são apresentadas com brevidade, somente em situações significativas, e em seguida parte-se para o estudo de variações específicas, envolvendo grandezas do mundo físico, econômico, etc. As funções estudadas são as mesmas que ocorrem no primeiro enfoque, mas a ênfase é posta no tipo de variação: linear, quadrática, exponencial, etc.

    Neste caso, os problemas mais importantes têm o objetivo de encontrar modelos matemáticos para certas variações, expressá-las algebricamente, calcular máximos e mínimos, etc.

    Usando a conceituação da Didática da Matemática dos franceses, no primeiro enfoque, as funções são objeto de estudo; no segundo, elas são ferramentas para estudar a realidade. Os objetos matemáticos podem ser sempre estudados num contexto matemático, enquanto que as ferramentas precisam ter como contexto várias ciências.

    Supomos que os parágrafos anteriores esclareçam porque o enfoque dos conteúdos contribui para definir o caráter de um professor de Matemática. No exemplo dado, torna-se claro que cada um dos enfoques descritos tem sua importância, mas, em relação ao Ensino Médio, acreditamos que o segundo enfoque esteja mais de acordo com as propostas do PCNEM, sendo mais significativo para os estudantes e tendo, portanto, maior potencial educativo.

Anterior   Próxima

Voltar para a primeira página deste artigo

Como referenciar: "A Matemática e o Novo Ensino Médio" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 17/05/2024 às 06:03. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/matematicamedio/index.php?pagina=2