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Significar a Educação: Da Teoria à Sala de Aula (página 3)


Fórmulas matemáticas (logaritmos, equações,...) serviram para compreender ou solucionar problemas da época em que foram criadas. Fatos históricos, vistos no seu contexto (grego, romano,europeu, em geral, ...), se tornaram relevantes para nós como referência para compreendermos situações, ou inspirar-nos na solução de problemas políticos, econômicos, culturais, ... do mundo atual. A falta de conhecimento da origem destes conhecimentos impossibilita a sua significação na contemporaneidade. Isso por que o professor não consegue fazer a "ponte" entre o remoto e o próximo. Na aprendizagem de uma língua, o conhecimento de suas raízes - no caso do português, latinas, indígenas, africanas, arábicas, ..., nos permite dar um significado para a sua estrutura, ou para a formação das suas palavras. Nessa mesma perspectiva, podemos abordar os conteúdos de todos os componentes curriculares, e, de informação em informação, de conteúdo em conteúdo, fazer esse exercício da sua significação histórica na contemporaneidade.

 Para nos ajudar nas reflexões, buscamos referências em alguns autores que, antes de nós, ou na contemporaneidade, vêem no resgate histórico o caminho para possibilitar ao professor significar as teorias na atualidade. Começamos com uma reflexão de Meirieu, com a qual esse autor faz uma crítica à ausência da dimensão histórica no nosso processo de ensino e aprendizagem:

...acreditamos nas aquisições sem história, postulamos incessantemente a existência de máquinas de aprender, ocultamos eternamente o processo em benefício do produto. Esquecemos, até mesmo, a gênese de nossos próprios conhecimentos e, não lembrando mais tê-los construído, acreditamos poder transmiti-los (1998: 52)

Assim, quando se contempla apenas o produto final (fórmulas, informações, ...), este é privado do seu significado histórico, isto é, se esquecem as razões pelas quais ele foi constituído. Desta forma, as informações, as fórmulas tornam-se estéreis, por não conseguirem fazer-se significativos no contexto, nas situações em que hoje são abordadas, ou seja, nesse caso, nas salas de aula com os alunos.

Também Gramsci concorda com que

as idéias e formulações mais iluminadoras ... são tipicamente do tipo conjuntural. Para fazer um uso mais geral delas, elas têm que ser cuidadosamente extraídas de sua concreta e específica imersão histórica e transplantadas para novo solo com considerável cuidado e paciência ( Silva,1995: 20)

Esse exercício do resgate histórico, em especial para os educadores, é um desafio que começa pela sua formação, quando o processo foi exercitado na teoria estéril e descontextualizada. A falta da dimensão histórica, do conhecimento do contexto, das situações e dos problemas que originaram o conteúdo em estudo, impossibilita ao professor torná-lo significativo no contexto, nas situações e problemas do mundo em que vivem os alunos.

Além da não significação para os alunos, ocorre, anteriormente, a falta de significação para o professor. Essa falta de significado o desmotiva, baixa sua auto-estima, pois sua prática pedagógica torna-se um fazer por fazer. Ao investigar, em 2003, com 55 professores, as causas da sua desmotivação e baixa auto-estima, a questão salarial ficou em oitavo lugar na ordem dos fatores mais relevantes. O mais citado foi a falta de significação do fazer pedagógico em relação aos conteúdos trabalhados, com a conseqüente desmotivação também  dos alunos e os problemas disciplinares daí decorrentes.

No mundo atual,

  • quando a teoria do pensamento sistêmico, segundo a qual todas as coisas estão interligadas, relacionadas e em constante mutação, torna-se um consenso;
  • quando a educação, na segunda metade do século passado, já buscava evoluir dos seus referenciais, centrados na fragmentação dos conhecimentos, ou na disciplinaridade, para a interdisciplinaridade, à transdisciplinaridade;

a recuperação histórica, o estudo da origem dos conhecimentos trará uma importante contribuição, talvez  única, se queremos efetivamente significar hoje os conhecimentos produzidos em épocas mais ou menos remotas. Segundo Marques, "não se ensinam ou aprendem coisas, mas relações estabelecidas em entendimento mútuo e expressas em conceitos, que, por sua vez, são construções históricas". (1993:110)

Tomemos, como exemplo, o nosso próprio sentido de ser como pessoas humanas. A história é a nossa raiz. A cultura herdada, de geração em geração, reconstruída e ressignificada, dá sentido a todos nós. Segundo Silva, "é contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma identidade no tempo" (1995:69). Inúmeros exemplos ilustrativos temos entre nós dessa reflexão. Podemos citar as histórias das famílias (árvores genealógicas), as formas de celebrações religiosas (natal dos europeus, chineses, ...), os usos de etnias, tão ricas no Brasil, e que, mesmo depois de centenas de anos, ainda preservam seus costumes, suas línguas. São todas práticas que mostram como a historicidade provoca sentidos e ressignificações, criando um elo de geração em geração. Ainda, conforme Silva "o que somos, ou melhor ainda, o sentido de quem somos, depende das histórias que contamos e das que contamos a nós mesmos. (1995: 48)

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Como referenciar: "Significar a Educação: Da Teoria à Sala de Aula" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 07/05/2024 às 11:30. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/significar/index.php?pagina=2