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A Poesia Infantil na Escola (página 2)

Estes fragmentos do poema cadenciam um diálogo de figurantes marcados: a voz do eu lírico -  uma voz imperativa -  ressoa como a  de um pai ou de uma mãe preocupada em  dar algumas ordens à criança, tratada de  meu filho.

Há duas vertentes possíveis de análise, a primeira ordem, pega a tua cartilha, pode estar diretamente ligada à vida escolar, ao cumprimento das obrigações cotidianas da escola, e a segunda, reza a Ave Maria, garante também uma outra tarefa, a religiosa, marcada principalmente por uma obrigação cristã de rezar às seis horas da tarde, exatamente a hora em que a primeira estrela brilha.

Em seguida, a criança, em tom de subordinação, responde, alternando os advérbios mal / bem entre o primeiro e o ultimo verso da segunda estrofe. Na sua resposta, o trabalho aparece como um marco fundamental e nos remete à idéia de sua produção diária, ressaltando que o dia não foi vazio, foi cheio e, portanto, não houve vadiagem nem ócio.

Parece ser esse o modelo de trabalho que a escola, durante aquele tempo e, para nós, durante mais tempo ainda, utilizou para ensinar poesia para as crianças e jovens, modelo em que a categoria dos enunciados imperativos ( Benveniste , 1976) é constituída pela ação do locutor sobre o ouvinte, no sentido de dar-lhe uma ordem a ser cumprida. Neste caso, pelos verbos no imperativo, em especial.

Embora apareça muito tímido e soçobrando um discurso pessoal da criança, esse discurso imperativo, representado pelos verbos, sobrevive à maneira do dever cumprido, das tarefas de negociação e de cumprimentos dessas tarefas.

Este tipo de ideologia textual, presente, também, nas cartilhas das décadas de 1970 e 1980, inclusive na cartilha Caminho Suave, de Branca Alves de Lima, em que Fábio  não solta balões, ele é um bom menino, demarca uma forma tradicional de se conceber a poesia como um texto clássico e burguês, organizado para a formação de opinião em favor da nova (des) ordem capitalista. Ser um bom menino seria não soltar balões. O bom menino é aquele que atende àquilo que a cartilha reza. 

Já neste outro fragmento do poema Consciência, de Henriqueta Lisboa, (O menino Poeta, 1970), as regras impostas pela linguagem imperativa dão espaço agora para um enunciado mais interativo (Geraldi , 2001).

Fazer pecado é feio
Não quero fazer pecado, eu juro.
Mas se quiser eu faço.

(Zilberman. Regina. A literatura infantil brasileira. RJ, Objetiva, 2005, p. 71)

Nesses trechos, o discurso do eu lírico vai se organizando no sentido de, primeiramente, aceitar que o pecado é feio e, portanto, é mal, além de ressaltar o seu desejo, menos universal e mais particular, de conceber o pecado como uma ação impulsionada pelo desejo. Logo em seguida, o eu lírico, ou seja, uma criança, usa sua própria voz para defender não uma idéia, mas  sua liberdade de ação diante do que é certo ou do que é errado, além de legitimar essa liberdade de escolha por meio da expressão "eu faço".   

Quando falamos em poesia infantil na escola prendemo-nos a escolhas. Evidentemente as escolhas que fazemos é que vão determinar se ela pode ou não educar e como educar.

Entendemos que os aspectos lúdicos e estilísticos da poesia infantil, como dramatizações, sonoridades, cantorias, versificação, rimas, assonâncias e aliterações são categorias importantes para se trabalhar o suporte textual da poesia, entretanto, entendemos que os conteúdos discursivos do texto poético, a linguagem poética e as intencionalidades textuais devam, também, ser levadas em conta, ainda que para a criança não alfabetizada.

Henriqueta Lisboa, nesse fragmento anterior, cria uma oportunidade para que a poesia infantil seja utilizada na escola como mais um recurso pedagógico que possa proporcionar aos educandos e aos educadores a aproximação de uma  linguagem como interação  social ,  em que o sujeito que fala também ouve e é ouvido, em que o eu e o tu são elementos fundamentais na comunicação interativa.

Esta concepção de linguagem, segundo Geraldi (2000, p.41), é vista como um lugar de interação humana. Por ela, o sujeito pratica ações que não conseguiria levar a  cabo a não ser falando e, no caso dos fragmentos, o eu lírico pressupõe uma ação, levanta uma hipótese sobre ela, mas se  quiser, e finalmente afirma a possibilidade de ela ocorrer, eu faço.

Há uma diversidade de textos infantis que suscita essa linguagem e uma diversidade que a suscita parcialmente e há textos que pretendem suscita-la, mas não o conseguem.

Nessa perspectiva, podemos aqui citar uma relação daqueles que podem auxiliar o educador em seu trabalho com a poesia para crianças. Destacamos Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, Pé de pilão, de Mário Quintana, A arca de noé, de Vinicius de Morais, Boi da cara preta, de Sérgio Caparelli , O menino poeta , de Henriqueta Lisboa.

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Como referenciar: "A Poesia Infantil na Escola" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 02/05/2024 às 10:46. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/poesiainfantil/index.php?pagina=1