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A Relevância do Uso de Jogos e Brincadeiras como Recurso Pedagógico para o Desenvolvimento da Criança. (página 4)

 

No Brasil os ideais escolanovistas só começam no século XX, no qual ocorrem grandes reformas educacionais como fruto de um novo ideário, dentre essas mudanças ocorridas na educação, o jogo educativo adentra as instituições de educação infantil.  Diante desse cenário, segundo Kischimoto (2007), nosso país teve a oportunidade de conhecer, através do trabalho de Antipoff, importantes personalidades representantes da psicologia como Mira e Lopes, Claparède, André Reys, Pierre Janet, Pierre Bovet, Pieron e outros que ajudaram a difundir novos estudos na área de psicologia infantil, inclusive sobre o jogo infantil.

Além disso, de acordo com a mesma autora, os estudos nessa época sobre os jogos, evidenciam a nítida diferenciação de gênero, já que havia ausência de meninos nos jogos de faz de conta que envolvia brinquedos de bonecas, jogos de imitação (mãe e filha), fazer comidinha, dentre outras manifestações, por outro lado nas brincadeiras de carrinhos, trens e automóveis, existia a ausência de meninas.  E essa diferença de gênero no lúdico se deu devido a uma construção cultural e se consolidou na sociedade capitalista.

Ainda no século XX o artista brasileiro Orlando Teruz retratou em uma de suas obras "cabra cega", essa diferenciação, quando mostrou que essa brincadeira é praticada apenas por meninas, sendo que em outros tempos era uma esfinge que ambos os sexos participavam. Outro artista brasileiro, João Candido Portinari, retratou em sua obra "Jogo de futebol em Brodósqui" a participação somente de meninos, deixando nítida a ausência do sexo feminino neste tipo de brincadeira.

Os escolanovistas brasileiros como Fernando de Azevedo (1894 -1974), Lourenço Filho (1897-1970), Anísio Teixeira (1900-1971), e outros vinculados ao movimento dos Pioneiros da Escola Nova, destacaram o papel dos parques infantis, tendo a recreação como uma de suas metas, já que o jogo nesse ambiente também proporcionaria um desenvolvimento físico, cognitivo e social. Vale destacar que segmentos envolvidos com esse movimento, como a Associação Brasileira de Educação no Rio de Janeiro divulgou em 1938 um documento sobre os objetivos dos jogos educativos. Nas palavras de Kischimoto (2007, p. 111), "[...] para o grupo, os brinquedos educativos tinham seu valor pelo poder de desenvolver hábitos e não pela conquista do conteúdo escolar [...]", tendo em vista que os jogos educativos não se limitavam apenas à aquisição do conhecimento sistemático, mas também ao desenvolvimento da criança.

Nesse sentido, a recreação na visão dos escolanovistas brasileiros discorda daquela emitida pelos filósofos gregos, de uma diversão descompromissada. Por outro lado não se trata de jogo livre que acontece nas ruas, nos quintais e praças, expostos por folcloristas. Mas de uma recreação com sentido de atividade orientada na busca de objetivos. Não objetivos relacionados à aquisição de conteúdos, mas ligados ao desenvolvimento físico, cognitivo e social, já que busca formar o corpo e, conjuntamente com habilidades cognitivas, morais e sociais.  (KISCHIMOTO, 2007).  Assim a recreação é entendida como um espaço para a criança expressar, criar e desenvolver suas habilidades.

Não se pode deixar de enfatizar a grande influência e contribuição do Movimento da Escola Nova para a educação das crianças que temos hoje, já que concebia a infância como época de crescimento e desenvolvimento, e que a utilização dos jogos e brincadeiras estimula e atende as necessidades e interesses da criança. Kischimoto (2007, p. 106), cita a fala de uma professora influenciada pelos princípios da Escola Nova

A criança procura o jogo como uma necessidade e não como distração [...]. É pelo jogo que a criança se revela. As suas inclinações boas e más, a sua vocação, as suas habilidades, o seu caráter, tudo que ela traz latente no seu eu em formação, torna-se visível pelo jogo e pelos brinquedos, que ela executa.

2.2 Jogos e brincadeiras como recurso pedagógico para o desenvolvimento da criança

Entre os autores que discutem jogos e brincadeiras na educação, encontramos Brougère (1998), Kischimoto (2009), Bomtempo (2009), Vigotski  (1998) e muitos outros. Vale ressaltar que alguns desses autores utilizam os termos jogos e brincadeiras como categorias similares.

Kischimoto (2009) define três relações entre jogo infantil e educação, antes da revolução romântica; o primeiro se refere à recreação, no qual era utilizado apenas como meio de relaxamento e de diversão; segundo referente ao uso de jogos para favorecer o ensino de conteúdos escolares, no qual tinha o objetivo de divulgar princípios de moral, ética e conteúdos de várias disciplinas; já o terceiro correspondia ao diagnóstico da personalidade infantil e recurso para ajustar o ensino às necessidades infantis, no qual procurava a melhor maneira para garantir a aprendizagem.

Por muito tempo o lugar dos jogos e das brincadeiras era limitado apenas à recreação das crianças nas creches, e ainda hoje pode se encontrar preso a esse espaço, de tal modo que acaba descaracterizando a rica contribuição que esse recurso oferece ao desenvolvimento dos pequeninos. Neste sentido Brougère (1998, p. 55) destaca que "[...] associar jogo e educação equivalerá a romper a oposição construída em torno do modelo de recreação".

Para esse autor, no jogo educativo é preciso conciliar a presença do jogo com a necessidade da criança, já que deve ser trabalhado de maneira que prepare as suas faculdades física, intelectual e moral, propondo atividades que lhes agrade, que sejam alegres e que tomem gosto. Ele ainda enfatiza que o jogo proporciona a oportunidade de observar as crianças, na qual elas revelam sua natureza psicológica real, já que mostram seu caráter natural, onde nada é fingimento ou artificial.

Ao analisar traços de jogos infantis, Kischimoto (s/d, p.122) cita Claparède (1956), dizendo que "[...] o jogo infantil desempenha papel importante como o motor, do auto-desenvolvimento e, em consequência, método natural de educação e instrumento de desenvolvimento. É pela brincadeira e imitação que se dará o desenvolvimento natural [...]".  Já que a criança (re) produz situações vividas em seu cotidiano através da imaginação e do faz-de-conta, refletindo e retratando a realidade na qual está inserida, dessa maneira os pequeninos desenvolvem o pensamento, estabelecem relações sociais, compreendem o meio, desenvolvem habilidades, conhecimentos e a criatividade.
 Desse modo, o início da vida da criança, sua ação sobre o mundo é determinada pelo contexto social em que vive e pelos objetos nele contidos. As crianças aprendem a jogar e/ou brincar dentro de um processo histórico construído, que assimilam com os outros membros de sua cultura, e suas brincadeiras são determinadas pelos hábitos, valores e conhecimentos de seu grupo social.

A brincadeira de faz-de-conta, tem lugar para o simbolismo, para representação e para o imaginário.  Onde os papéis são desempenhados com clareza, a menina vira mãe, tia, professora; o menino torna-se pai, índio, policial, e esses papéis e objetos são improvisados. Bomtempo (2009) ressalta que nesse tipo de brincadeira, pesquisas comprovam a eficácia para promover o desenvolvimento cognitivo e afetivo-social da criança.

Essa brincadeira surge com o aparecimento da linguagem, por volta de 2 a 3 anos de idade, quando a criança começa a alterar o significado dos objetos, começa a expressar seus sonhos e fantasias e a assumir papéis presentes no contexto social. O faz-de-conta não permite apenas a entrada para o imaginário, mas também as regras presentes nas brincadeiras. Vale destacar que o imaginário provém de experiências adquiridas pelas crianças em diferentes contextos (KISCHIMOTO, 2009).

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Como referenciar: "A Relevância do Uso de Jogos e Brincadeiras como Recurso Pedagógico para o Desenvolvimento da Criança. " em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 07/05/2024 às 07:55. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/usodejogosebrincadeiras/index.php?pagina=3