Você está em Artigos

Era uma vez a questão racial: os livros de Literatura no processo de construção de identidades (página 3)

1.2 As tranças de Bintou (Sylviane A. Diouf-2010)


Bintou é uma menina negra que tinha cabelo curto e crespo. "Meu cabelo é bobo e sem graça tudo o que eu tenho são quatro birotes na cabeça". Bintou queria tranças nos cabelos, mas a tradição de seu povo era que apenas mulheres adultas poderiam ter tranças. Bintou então aproveita a visita de sua avó e pergunta por que as meninas não podem usar tranças?

Sua avó conta a história de uma menina que só pensava o quanto era bonita, e de tanto que os outros a admiravam ela se tornou vaidosa e egoísta... A avó que sabia mais do que todo mundo "porque os velhos sabem mais porque viveram mais", ainda explica que a menina irá crescer e terá muito tempo para usar tranças.

Então um dia quando Bintou resolveu caminhar pela praia, ela vê dois homens prestes a se afogar, mas Bintou foi rápida e esperta pegando o caminho mais curto e mais perigoso para buscar ajuda até a vila, e assim fez. Bintou ajudou a salvar os dois homens e foi reconhecida pelo seu feito na vila. Perguntaram – "Diga-nos o que você mais deseja?" Antes que ela pudesse responder sua irmã falou: TRANÇAS.

Bintou mal podia esperar pelas tranças e quando sentou no chão e sua avó passou um óleo perfumado, mas ela sentia que sua avó estava fazendo os birotes e quando terminou não tinha coragem de olhar para o espelho.  Sua avó a encorajou abrir os olhos e quando Bintou abriu os olhos viu pássaros amarelos e azuis em seu cabelo.

E ela falou –"Foi-se a menina sem graça com quatro birotes na cabeça. Eu sou Bintou. Meu cabelo é negro e brilhante. Meu cabelo é macio e bonito. Eu sou a menina dos pássaros no cabelo. O sol me segue e estou muito feliz".

Mais uma História que nos faz pensar a questão étnico-racial das crianças negra, e mais do que focar na cor da pele ou no cabelo da menina o livro traz como foco central o brincar como forma de trazer o real motivo da infância.

Sabemos que o cabelo é muito importante para a autoestima das mulheres, mas não tem que ser o principal foco de nossas crianças. Estimular nos pequenos o interesse para o que vestir e como se pentear, por exemplo, os ajuda a desenvolver a autoestima e a vontade de parecerem bem e bonitos, contribuindo para a autoconfiança em várias situações sociais.

O problema começa quando a vaidade torna-se excessiva, muitas delas iniciam a vaidade muito cedo e acabam chegando ao extremo dela com consentimento muitas vezes dos pais, muitas nem se permitem serem crianças.

A insatisfação da menina com seus birotes no começo do livro podem ser associados à insatisfação das crianças que rejeitam seu cabelo e sua beleza para serem aceitos pelos outros, impondo a si mesmo outros padrões estéticos (branco, loiro, alisado) considerados como padrões de beleza.

O livro tem ilustrações riquíssimas trazendo a beleza negra, a beleza de uma vila, de seu povo e de seus costumes com detalhes e cores vibrantes demonstrando que alegria impera nesse povo, e não vemos como de costume os estereótipos da África com fome, pobreza e outros aspectos que faz a criança repudiar e se afastar da cultura e dos saberes que a constitui.

Percebemos que a ancestralidade também é uma questão muito forte principalmente para ensinar aos mais novos os ritos de passagem os mitos e lendas que irão perpetuar de geração a geração. A diversidade cultural está presente no povo afrodescendente, através dos conhecimentos e valores que permeiam a vida familiar, deste modo, é importante mostrar às crianças como esses costumes surgem e a importância desses conhecimentos para a construção da nossa cultura.

Entendemos nessa história como Bintou precisava da aprovação, do olhar e do cuidado do outro para sentir valorizada com os seus birotes, a diversidade pode ocorrer naturalmente quando as crianças têm bons exemplos em casa e na sala de aula. Elogios fazem parte dessa construção identitária e esse livro traz um importante ponto a ser destacado que cada criança tem sua beleza e quando essa valorização está exposta em livro infantil, por exemplo, traz como possibilidade um referencial possível de alcançar, ou seja, a criança se reconhece na literatura.

Mesmo aquelas que negam ou ignoram a identidade negra, vê de forma positiva a beleza negra sendo exaltada num livro, numa atitude, numa ilustração que desperta a beleza que por tanto tempo foi invisibilizada pela mídia, pelas indústrias de brinquedos por exemplo. É importante perceber que o ideal de beleza de Bintou são as tranças e tem sua irmã como referencial a ser seguido, apresentar o encanto e a diversidade dos cabelos negros faz com que esses indivíduos amem a si mesmo.

Deste modo o problema de Bintou não era os birotes e sim os birotes sem graça. E quando todos esperavam que avó fizesse tranças Bintou apareceu com birotes enfeitados cheios de flores e pássaros, ressaltando que a beleza está em nós, basta um toque, um elogio, um cuidado especial, um incentivo e ela desabrocha como flor.
Além dessa estética negra carregada de sentindo e valorização, o livro de Bintou ressalta que os ritos de passagem fazem parte da tradição presente na diversidade cultural africana e brasileira.

A nossa cultura também traz diversos rituais como batizados, aniversários, ritos de passagem de aprendizado e crescimento, dentre outros que merecem ser revistos até problematizados com as crianças.

 As tranças de Bintou é um exemplo de literatura que nos desafia a pensar a diversidade a ser trabalhada desde Educação Infantil como forma de conhecer e respeitar o outro pelo o que ele é.
Anterior   Próxima

Voltar para a primeira página deste artigo

Como referenciar: "Era uma vez a questão racial: os livros de Literatura no processo de construção de identidades" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 18/04/2024 às 06:46. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/etnicoracial/index.php?pagina=2