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Era uma vez a questão racial: os livros de Literatura no processo de construção de identidades (página 4)


1.3 Bia na África (Ricardo Dreguer -2007)


Bia é uma menina de 8 anos com descendência africana que acompanha a sua mãe diplomata quando está prestes a morar 1 ano em Angola. Bia fica um pouco receosa com a proposta, com medo de como seria começar novas amizades, conhecer novos lugares, nova escola, mas a sua mãe consegue convencê-la.

Nessa viagem fantástica Bia conhece a verdadeira África, aquela livre de estereótipos e claro se encanta por um continente cheio de belezas. Antes de chegar ao seu destino, as duas visitam o Egito, onde constatam a influência árabe na religião, na arquitetura, na língua, além de conhecerem monumentos.

Passando pelo Quênia, observam o contraste entre a grande capital, Nairóbi e uma reserva de animais selvagens. Enfim ao chegar à Angola depois de uma viagem muito longa Bia acaba gostando de aprender mais sobre onde iria morar.   

Em Angola Bia frequenta a escola, faz novas amizades e vai descobrindo outra cultura, com palavras, sotaques, gostos, e sabores diferentes, mas também reconhecendo nossas raízes africanas na religião, na dança, música, alimentação, e a desigualdade social presente em grandes cidades e países.

Ao retornar para o Brasil, Bia sente-se enriquecida, sobretudo pela descoberta da imensa diversidade do continente africano e pela valorização da cultura de seus antepassados, o que desperta nela o orgulho de ser negra.

 Bia na África faz parte da série Viagens da Bia que inclui os volumes "Bia na Europa", "Bia na Ásia". Nessas viagens ela conhece as influências que os outros países trouxeram para o Brasil. Bia convida o leitor a embarcar numa viagem de descobertas e de conhecimentos sobre nossas raízes africanas vista pela lente curiosa de uma criança, que cada vez tem perguntas e descobertas a fazer.

Embora o livro seja um pouco grande, ele pode ser adaptado a qualquer faixa etária ou segmento. O livro é riquíssimo em detalhes, podendo desdobrar-se em projetos, pesquisas, e até semanas culturais sobre a diversidade de jogos, palavras, músicas, danças, nomes que estão presentes na cultura brasileira e que desconhecemos o significado e sua origem.

A capa do livro traz de forma bastante colorida uma imagem de uma menina negra viajando e descobrindo a África, mostrando que as crianças que lerem esse livro também farão grandes descobertas. O livro é um grande estimulador para fazermos perguntas e ir de encontro de possíveis respostas.

É legal perceber que mesmo que saibamos que exista pobreza na África, essa não ganha destaque nesse livro, pelo contrário os pontos positivos desse continente e seus países são vistos de forma rica, desconstruindo nas crianças a falsa ideia de ser "país de negros pobres que passam fome".

A ilustração do livro traz elementos culturais importantes que mostram um continente e seus países globalizados e desenvolvidos muito além dos safaris. "De onde será que vem essa visão da África que a gente tem?" Uma pergunta importante para pensarmos os pré-conceitos que acabamos por reproduzir.

 O livro é escrito a partir do olhar da Bia, que traz consigo seus medos, suas inseguranças, sonhos, e molecagens. No começo da história vemos como é composta a sua família, Bia tem os pais separados que vivem felizes suas vidas. Apesar da tendência das histórias inferiorizarem os negros e retratar o sofrimento e o trabalho escravo, nessa história os pais de Bia são muito bem sucedidos, mostrando que os negros também têm êxito e sucesso no trabalho.

Apresentar esses indivíduos como exemplo faz com que as crianças vejam que elas também, enquanto negras, podem alcançar cargos de alto escalão.

As páginas do livro descortinam um mundo de descobertas, aulas de História e Geografia vão se configurando pela curiosidade de uma criança. Aborda a escravidão, a fome e a miséria, não como foco principal da história, afinal essas questões também fazem parte do nosso presente, das lutas por direitos que hoje temos e por isso não pode ser esquecido.

Ao final do livro, ou melhor, ao final da viagem Bia nos deixa com gosto de quero mais, convidando os professores e alunos a conhecerem mais sobre nossa cultura e mesmo que nós e nossos alunos ainda que não consigam de fato viajar até a África, o livro nos mostra um dos caminhos para o conhecimento.

Articulamos a partir dessa viagem tecnologia, conhecimento de mundo, curiosidade e vontade de aprender mais sobre nossa cultura, que tem como fonte a África. O livro se transborda e consegue nos levar para muitos horizontes possíveis de valorização cultural para as crianças.

Apresentar uma literatura que consegue fazer a criança imaginar-se dentro dessa incrível aventura é afirmar que elas também terão oportunidades de viajar o mundo. É possível ser feliz mesmo que num país racista cheio de preconceitos, que esmagam sonhos e qualquer chance de negros chegarem mais longe que o ensino médio.

Ter referenciais que nos mostram meios que isso possa acontecer, ainda que em número pequeno, é fortalecer a luta pela diversidade num país que deveria ser para todos, com chances reais de crescimento, sem extinção de raça, cor e gênero.
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Como referenciar: "Era uma vez a questão racial: os livros de Literatura no processo de construção de identidades" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 27/04/2024 às 14:32. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/etnicoracial/index.php?pagina=3